Texto (não) recomendado aos verdes.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Papo de Gente Grande
Por Fausto Castello




É curioso como a maioria de nós prefere ser existencialmente infantil por toda a vida. Claro que falo por mim também, embora hoje eu talvez já seja um “toddler”: gradualmente deixando de engatinhar e aprendendo a caminhar. Mas convenhamos: a opção pelo infantilismo existencial é compreensível. Afinal, é psicologicamente confortável e emocionalmente conveniente: criança não te...m de assumir responsabilidades de adulto nem arcar com eventuais consequências negativas.



Pois bem, quando sou esse adulto infantilizado, se as coisas dão certo para mim em qualquer área da vida, sempre me autoglorifico de algum modo: atribuo meu sucesso à minha inteligência, à minha sagacidade, à minha crença religiosa, à minha fidelidade financeira ao clube religioso a que pertenço, à minha membresia num grupo elitizado de influentes e poderosos, ao meu “santo forte”, à minha merecida boa sorte, etc.



Agindo assim, estou também bradando aos seres inferiores que não conquistaram aquele sensacional, incrível, fantástico e superlegal seja-lá-o-que-for que eu conquistei: “Eu sou melhor do que você, seu fracassado! Eu fiz por merecer!”



Na verdade, ao alardear – com ou sem palavras – qualquer dessas coisas, estou apenas vaidosamente atraindo os holofotes em minha direção.



Um vaidoso bem-sucedido sempre se torna um arrogante insuportável.



Quando, por outro lado, as coisas dão errado em qualquer área da vida, sempre tento me eximir de qualquer responsabilidade pelo ocorrido. E como eu não sou o responsável pelo que houve, é óbvio que se houver consequências negativas, eu não tenho nada a ver com isso. Contudo, se aconteceu, tem de haver um culpado e ele terá de pagar por isso. Então trato logo de procurar, achar, prender, julgar e condenar o culpado adequado à situação:



Pode ter sido o meu chefe burro e insensível, que deu a outro a promoção que eu merecia; o povo da cidade em que moro, que é provinciano e de mentalidade tacanha demais; os meus pais, que foram tão superprotetores ou tão rígidos ou tão permissivos que hoje sou um adulto inseguro, acomodado e amargurado; os meus professores, que não se dedicaram o suficiente para que eu me tornasse o gênio que poderia ser; os meus líderes religiosos, que infundiram em mim um medo atroz de uma divindade implacável para com pecadores como eu; a minha sogra maldosa, com suas contínuas indiretas sobre como sua filha estaria mais bem casada com um cara que tivesse um saldo bancário com muito mais dígitos (e “azul da cor do mar”, é claro). Mas eu não tive culpa.



Pode ser também culpa do pneu do meu carro, que furou justamente quando eu estava a caminho de uma imperdível entrevista de emprego; o HD do meu computador, que queimou e mandou pro espaço dois meses de meu árduo trabalho; aquele cara irresponsável que falava ao celular enquanto dirigia seu carrão e bateu violentamente no meu, que não tinha seguro, me deixando a pé por dois anos. Mas eu não tive culpa.



Ou talvez seja a vida, que tem sido mais dura do que posso suportar; a sociedade, que é um conjunto de desgraças em que não consigo encontrar meu lugar; o mundo, que sempre me maltrata em sua perversidade diabólica; o diabo, que sempre interfere e sabota todos os meus planos (aliás, por que Deus deixa, se sabe que vou me dar mal?); Deus, que, por meio de um porta-voz humano (um pastor, bispo, padre, mentor, profeta, cartomante, etc.) ou de um sinal (um versículo bíblico, uma visão, um sonho, uma premonição, um relâmpago cor de rosa, etc.) me prometeu “aquela bênção especial” que nunca chegou (aliás, será que ele pelo menos se lembra de que eu existo?), etc. Mas eu não tive culpa.



A lista é praticamente sem fim. A canção da hora é a antiga “Eu sou rebelde porque o mundo quis assim / Porque nunca me trataram com amor / E as pessoas se fecharam para mim...” Mas eu não tive culpa.



Ou seja, quase sempre, quando uso qualquer argumento assim para tentar justificar meu insucesso seja em que área da vida for, no fundo o que estou dizendo é: “OK, eu fracassei nisso, mas não tenho culpa nenhuma! A culpa é... [complete você mesmo]”. Isso é um claro indicador de algumas outras afirmações que também estou fazendo. Alguns exemplos:



– Eu não quero abrir mão do direito à preguiça existencial, pois não estou a fim de me curar da “síndrome de Peter Pan”. Deixem minha infantilidade em paz! Afinal, a vida é minha; vivo-a como quiser. Dizem que crescer dói mesmo, e muito; dizem também que compensa, e muito; mas quem disse que quero?



– Eu não quero crescer, me tornar adulto e ter de assumir as responsabilidades e consequências que, então, me caberão. Dá muito trabalho. É muito mais cômodo responsabilizar outros sempre que algo der errado comigo e muito mais agradável massagear meu próprio ego e me achar o máximo sempre que algo der certo.



– Eu não quero enxergar que vivemos num mundo decaído, longe de qualquer perfeição, em que estamos TODOS, sem exceção, sujeitos a qualquer coisa que se possa chamar de “mal” – uma falência avassaladora, um câncer maligno, a morte de uma pessoa amada, etc. – tanto quanto estamos diante da possibilidade de ser contemplados com qualquer coisa que se pode chamar de “bem” – o emprego e o salário dos meus sonhos, um cônjuge lindo por fora e por dentro, uma megarrenda que me permita viver como magnata, etc.



Em suma, não consigo admitir a realidade nua e crua: nesta vida, TUDO pode acontecer. Nem ninguém está “blindado” contra o mal pela vida inteira, nem ninguém nasceu pra ser o “Zé do Azar” pela vida inteira. Essa constatação de modo algum implica falta de fé, mas apenas senso de realidade. A vida aqui é como é, e pronto.



Portanto, é bobagem pensar que sou sempre a vítima de algum complô armado pela vida contra mim. Não, o mundo não gravita em torno de minha humilde pessoa. Na verdade, quase nunca há nada de pessoal contra mim quando algo dá errado. Não há, obrigatoriamente, uma conspiração generalizada contra o meu sucesso.



Se, por exemplo, o HD do meu laptop fritou e me fez perder trabalho e dinheiro, talvez eu tenha deixado o laptop sem manutenção alguma, apesar dos muitos “beeps” de alerta que ele emitiu, até acontecer o pior. A responsabilidade pelo descaso foi minha; não foi o tinhoso que provocou um pico de energia na rede elétrica.



Se já tenho mais de duas ou três décadas de vida e continuo inseguro, amargurado e ressentido com relação a meus pais, professores, autoridades eclesiásticas, Deus, o mundo, a vida, etc., o modo como vou lidar com a insegurança, a amargura e o ressentimento é de minha responsabilidade: conforme eu os tratar, ou serão tigres ameaçadores ou serão filhotinhos engraçadinhos de gato siamês – a decisão é minha, não dos fantasmas “superegoicos” do meu passado.



Se perdi aquela promoção ou aquele emprego dos meus sonhos, talvez eu não tenha me dedicado ou me preparado o suficiente. A responsabilidade por não ter me preparado melhor ou não ter me dedicado o bastante foi minha; não fui preterido sem motivo ou por causa de alguma armação. E por aí vai.



É claro que às vezes me dou mal porque existe, objetivamente, alguma trama, algum esquema, alguma armadilha preparada contra mim. Pode vir de algum desafeto meu – um colega de trabalho invejoso, por exemplo. Pode ser apenas porque eu estava no lugar e hora errados – “obra do tempo e do acaso”, como diz o sábio Rei Salomão. Ou, para quem, como eu, crê na realidade das dimensões sobrenaturais, pode ser o caso de forças malignas operarem contra mim. Contudo, estou absolutamente convicto de que esses casos são, de longe, a exceção, embora a maioria prefira acreditar que sejam a regra.



Não são. A verdade é que eu é que sou meu pior inimigo. Todavia, tenho o potencial de me tornar o meu melhor amigo. Na verdade, se eu quiser que minha vida nesta terra se torne razoavelmente viável, é isso que devo buscar: reconciliar-me comigo mesmo, sempre. Sem isso, a vida, que já não é fácil do jeito que ocorre neste mundo, ficará infinitamente pior. Ou já não bastam as cargas e pesos que naturalmente carregamos quando nos tornamos existencialmente adultos?



O Único Mestre, Jesus, deu grande importância e ênfase à minha boa e saudável convivência comigo mesmo – até porque posso me afastar de alguém insuportável, mas não posso me afastar de mim mesmo – quando disse, entre outras coisas, “Ame o seu próximo como a você mesmo”. Isso, claro, significa também que se eu não me amar primeiro, não serei capaz de amar mais ninguém, seja o próximo próximo ou o próximo distante. E acredite: não dá para viver sem amor, porque amor e vida são sinônimos tanto quanto ódio e morte o são. Se você quiser saber exatamente como é o inferno, faça apenas duas coisas: nunca ame e odeie sempre.



Entretanto, só consigo perceber, admitir e querer começar a viver a partir dessas verdades básicas se eu desistir de ser Peter Pan e decidir crescer. Enquanto eu continuar a culpar “Deus e o mundo” pelos meus infortúnios, posso até ter 65 anos cronológicos de idade e ter conquistado muita coisa, mas, na verdade, não passo de um bebezão existencial patético, de apenas uns dois aninhos emocionais de idade, usando fraldão geriátrico, choramingando e fazendo birrinha, repetindo “ninguém me ama, ninguém me quer”.



Sinceramente, é muito, mas muito chato ter de conviver com bebês assim. Haja paciência! Eu os encontro todos os dias – e muitas vezes me vejo neles também. Assim, ao mesmo tempo em que desejo que se tornem adultos emocionais – e tento ajudar como puder –, vou procurando corrigir em mim mesmo aquilo que vejo neles e não gosto nem um pouco.



“Idade e maturidade raramente caminham de mãos dadas” é uma das coisas que digo com frequência. Olhe ao redor e verá que tenho razão. Olhe dentro de si mesmo e verá, com mais clareza ainda, que tenho razão. Eu sei disso porque estou, agora mesmo, olhando para dentro de mim.



Vejo muita coisa. Algumas horríveis, outras belas, outras indecifráveis; alguns progressos, alguns retrocessos, algumas aparentes estagnações – mas todas essas coisas eu vejo em processo de amadurecimento, graças a Deus.



“Sei que nada será como antes amanhã” em cada amanhã que ainda vier. A vida tem de ser dinâmica, nunca estática. Assim, com essa verdade enraizada no coração, peço outra vez a Deus que eu nunca deixe de ser “essa metamorfose ambulante” para o Bem o tempo todo, até o último dia de minha vida nesta Terra.

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F. R. Castelo Branco

Sexta-feira, 02/09/11, 18:57

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto!Realmente não é para verdes....e poucos, alcançam ou alcançarão um dia tal consciência!


Shalom

Anônimo disse...

Quando me percebo um adulto infantilizado me torno mais consciente de mim mesmo. Vou repassar esse belo texto aos meus amigos.

 

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