O Buraco - Uma nova maneira de encarar o amor.

sábado, 10 de setembro de 2011

De repente, me percebo refletindo de uma forma nova. Compreendo homem como um ser completo, no qual não falta parte alguma. Deixo de vê-lo como a "metade" de uma laranja buscando reencontrar a outra "metade", ideia que nos persegue há 25 séculos, desde o mito do Androgino descrito em O Banquete, de Platão. Deixo de pensar no ser humano como uma "panela" que terá que encontrar sua "tampa", caso contrário a infelicidade baterá a porta.
Vejo o homem inteiro, sem o "buraco" - esta cicatriz psíquica derivada do trauma do nascimento.
Os desdobramentos dessa linha de raciocínio são ricos e interessantes, para minha vida, quem sabe podem ser para mais alguém. Primeiro, podemos combater nossos sentimentos de inferioridade, pois eles derivam de uma sensação e não de um fato real. Depois, seremos capazes de preencher o tal "buraco" por nossos próprios meios, sem depender demais de outras pessoas ou de uma relação afetiva em particular. Desaparece a noção de individualismo como algo nocivo; é direito da pessoa buscar sua auto suficiência. Desaparece a noção de solidão como coisa triste e vergonhosa. Ao contrário, é sinal de amadurecimento pessoal ser capaz de ficar consigo mesmo.
O esforço principal do individuo muda de direção. Em vez de buscar o parceiro ideal, com o qual poderia se sentir completo, ele passa a querer se aprimorar para poder atenuar (ou fazer desaparecer) a sensação de incompletude. Afinal, se o "buraco" é sensação e não um fato, nada mais razoável do que tentar se livrar da sensação, em vez de buscar preencher uma falta que só existe na aparência.
E amor como fica? desaparece? Não creio. Pode ser que, daqui a alguns séculos, quando as crianças forem geradas em incubadeiras, as coisas se modifiquem de forma imprevisível. Por ora, acredito que as grandes mudanças vão ocorrer em outras direções. Uma delas é alteração do ideal romantico (judaico-cristão, bíblico) da fusão de duas pessoas em uma só. As ligações amorosas contemporaneas, proprias de quem sabe que terá que resolver sozinho suas inquietações intimas, tenderão a respeitar mais a identidade e a individualidade dos parceiros.
Alias, a ideia de fusão, de total dependência e diluição de um no outro, sempre provocou o medo nas pessoas que vivem intensas paixões.
Esse caminho, o de que "quanto mais junto, melhor" não combina com a constatação de que o amor não deverá ser o único remédio para o nosso "buraco".
A outra mudança deriva exatamente disso. O "buraco" antecede o amor e é o que nos leva a querer tanto uma aliança forte com o outro. Se pensarmos a partir desse enfoque, não teremos razão para sentir raiva do parceiro cada vez que ele não for capaz de o preencher completamente. Sim, pois o amor se torna extremamente exigente, autoritário e possessivo por conta desse objetivo de neutralizar o "Buraco" do outro.
O amor não deverá mais ser visto como um remédio para a incompletude.
O amor como remédio para o "buraco" no trouxe mais problemas que soluções. Quero meu parceiro sempre ao meu lado, do contrário me sinto incompleto. Sempre que ele não agir de acordo com minhas aspirações, sinto o "buraco" e o acuso de não estar sendo companheiro, senão eu não teria a desagradável sensação de incompletude. Para não me decepcionar, ele terá de agir de modo a não permitir essa sensação. Ou seja: terá que me obedecer!. E eu a ele! Isso se transforma numa luta de poder, sem ganhadores. Onde um vai, o outro tem que ir. Senão o "buraco" de ambos reaparece, com  suas devidas acusações reciprocas. Não é  a toa que nossa vida amorosa tem sido tão mal sucedida. Que tal imaginarmos um situação assim: cada um vai para seu lado, cuida do seu "buraco" e libera o parceiro da função de remédio? Ao se encontrarem não terão cobranças, nem ressentimentos. Poderão, finalmente, ser amigos, solidários, companheiros, amantes....



Texto que escrevi em 97.

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