Sem guerra santa

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

por Caio Fábio






Acabo de assistir no Discovery Channel a um documentário sobre a tomada de Edessa pelos cristãos no tempo dos Cruzados.

O grito cristão era: Contra os Inimigos da Cruz!—fazendo referencia aos mulçumanos.

E me choquei...sempre me choco.

Inimigos da Cruz de Cristo é uma frase horrivelmente comovente aos sentidos dos religiosos cristãos.

Dá um sentido de cruzada mesmo.

As cruzadas entraram na alma da “igreja” de uma maneira definitiva.
Sempre tem uma cruzada.

Até o nome diz o que a coisa era.

Para defender a Cruz de Cristo só mesmo cruzada neles.

Assim, os inimigos da Cruz de Cristo se tornaram os pagãos, os diferentes e os inaceitáveis.

A questão é:

Quem eram os inimigos da Cruz de Cristo aos quais Paulo fazia referencia?

Certamente que se você pegar as cartas dele—e esse trabalho eu já tive para mim há muito tempo, agora, deixo para você mesmo a certificação—e as ler com conhecimento mínimo dos contextos históricos; ou seja: do que estava acontecendo em Jerusalém, nos movimentos anticristãos do judaísmo e dos movimentos de cristãos judaizantes; se souber sobre costumes, comportamentos e significados psicológicos e culturais de muitas coisas mencionadas com o “uso de palavras” e que, muitas vezes, hoje nem mais representam aquilo a que um dia designaram; e também tiver idéia do que diziam os filósofos da época e quais eram os movimentos do capital econômico e de quais eram as forças políticas na ocasião...Então, a percepção das coisas que Paulo diz ficam muito mais claras.

No entanto, há mais do que isto...

Mesmo sem saber de nada disso, se você é sensível para o Espírito, você sente que há um espírito que liga e amarra todas as coisas: o espírito da graça de Deus em Cristo.

É assim que Paulo via.

Era o seu mundo que via.

Até os apocalipses de Paulo são certezas em fé, não visões.

Quando você lê a Paulo com esses olhos e com o coração que não esquece de duas outras coisas pelo menos—que ali havia um homem, com todas as ambigüidades e ambivalências de um homem; e que ali havia a inspiração divina num coração para quem a Graça não tinha limites—então, tudo se ilumina.

Desse ponto em diante você vê que para Paulo o inimigo da Cruz de Cristo jamais seria o sacerdote pagão—aliás, nos dias dele havia aos milhares, mas ele não fala quase nada do assunto—, mas sempre aquele que tentava duas coisas: fazer-se representante de Deus (como os judeus fanáticos e os cristãos judaizantes) e reduzir as conquistas da Cruz aos condicionantes da lei, dos costumes e dos sistemas de auto-justificação ou mesmo auto-santificação humanos.

Assim, para Paulo, voltando ao documentário do Discovery Channel, o inimigo da Cruz de Cristo não eram os mulçumanos contra os quais os Cruzados se lançavam com fúria religiosamente assassina e devota, mas eles mesmos e, sobretudo, aqueles que em suas mentes haviam feito o signo supremo da Graça se transformar numa devoção ao ideal religioso-político de conquista.

Com esse espírito, como você acha que Paulo enxergaria a história do
Cristianismo e também aquilo que em nome de Jesus foi feito e é feito em nossos dias?

Cuidado, ver a vida com os olhos de Paulo pode ser terrivelmente subversivo.

Daí ele ter sido tão perseguido pelos legalistas—tantos entre os judeus como entre os falsos irmãos.

Caio



23/01/03

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