Gastando energia como o que não é pão

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Briga de galos

Quando leio determinados textos em blogs que se definem como “apologéticos”, onde adeptos de uma linha teológica se dedicam a atacar quem não concorda com eles, sempre me vem à cabeça, um texto de Rubem Alves, do qual posto um trecho abaixo:
Há teólogos que se parecem com o galo. Acham que, se não cantarem direito, o sol não nasce: como se Deus fosse afetado por suas palavras. E até estabelecem inquisições para perseguir galos de canto diferente e condenam outros a fechar o bico, sob pena de excomunhões. Claro que fazem isto por se levarem muito a sério e por pensarem que Deus muda de ideia ou muda de ser ao sabor das coisas que nós pensamos e dizemos. O que é, para mim, a manifestação máxima de loucura, delírio maníaco levado ao extremo, este de atribuir onipotência às palavras que dizemos.
Para colocar esses galos nos seus devidos lugares, Rubem Alves completa:
O sol nasce sempre, do mesmo jeito, com galo ou sem galo. Assim, o galo pode dormir à noite, sem a angústia de ter de acordar na hora certa. Se dormir demais, o sol vai se levantar do mesmo jeito. O que, sem dúvida, diminui seu senso de importância, mas tem a compensação do sono tranqüilo, o que não é de se desprezar.
Eu não suportaria pensar que o meu pensamento é tão poderoso que, caso eu pense errado, Deus vai ficar torto.
É isso. Deus não entorta nem desentorta por causa do pensamento nem da teologia, vai continuar sendo Deus. E ninguém vai parar no inferno pelo delito de, do alto da sua humanidade e limitações com ela condizentes, entender Deus apenas em parte. Apenas a religião tem necessidade de formatar o pensamento e as opiniões das pessoas , Deus não precisa disso.
Teologia é construção humana, e como tal, obviamente, é também pessoal. Pessoas diferentes, com níveis intelectuais diferentes, idades diferentes, formação diferente, origem diferente, preconceitos diferentes, experiências diferentes e etc, podem interpretar uma mesma frase a respeito de Deus, de várias formas diferentes. Deus é absoluto mas nós, humanos, somos todos relativos. A dificuldade em aceitar as relatividades do pensamento humano, como coisas absolutamente naturais, inclusive quando se trata de Deus, gera brigas vergonhosas entre os cristãos. Deus quer corações, quer pessoas sinceras que O busquem, e nem sempre a posse ou crença na mais perfeita ortodoxia, calvinista dos cinco pontos, implica em estar buscando Deus em espírito, verdade, de todo o coração, alma, entendimento.
Querer fazer com que todos pensem igual, concordem com você em tudo, dancem do mesmo jeito, toquem a mesma música no mesmo tom, também é uma forma de escravidão, um tipo de neurose. O zelo pela “sã doutrina”, muitas vezes não passa de necessidade de ter controle sobre as pessoas, ou medo de perder o controle que já exerce sobre elas, e isso em alguns casos, atinge níveis de doença, de patologia. Necessidade de uniformizar o que devia ser estritamente pessoal, porque assim, é mais fácil de manter as estruturas e instituições. Qualquer sistema político ou militar ou seja lá de qual ideologia for, sabe disso, inclusive os sistemas religiosos. Manter um discurso igual, é essencial para a coesão de qualquer grupo ideológico. Mas, ironicamente, o acesso de todos à bíblia, que os reformadores garantiram aos cristãos, fez com que essa “coisa” que chamamos cristianismo, cada vez fosse se pulverizando mais, porque não existe leitura livre da bíblia, sem a correspondente livre interpretação. E livre interpretação, tanto para o bem quanto para o mal. Tanto para distribuir o perdão e amor de Deus às pessoas, e incentivá-las ao amor ao próximo, quanto para tirar dinheiro delas de forma inescrupulosa e ensiná-las a barganhar com Deus. Tanto para falar de um Reino que é justiça e paz e que se constrói pelo amor e não pela força ou poder, quanto para legitimar guerra, imperialismo, pena de morte e escravidão.
A única consciência que você deve controlar, é a sua própria, a dos outros, você pode no máximo, influenciar. O que passar disso, qualquer tentativa de exercer controle sobre a consciência ou o pensamento alheios, já é violação da liberdade do outro, liberdade de pensar como quiser, e escolher entre encher pregadores da prosperidade de dinheiro, ou imitar Jesus. Escolher entre um Deus que é Pai, ou escolher um Deus carrasco. Escolher se relacionar com Deus porque Ele amou você primeiro, ou por coação, medo do inferno ou simplesmente esperando receber algum benefício material em troca, ou a herança do Pai rico, que na verdade você não ama e só quer a prosperidade que prometeu te dar… vai de cada um.
Eu, da minha parte, durmo tranquila como o galo do Rubem Alves, porque se essa noite o meu cérebro torto sonhar que Deus não é Deus, mas sim o Monstro Espaguete Voador com almôndegas, Deus não vai amanhecer embebido em molho bolonhesa, e exigindo sacrifícios em forma de queijo parmesão ralado. :P

Nada de Novo sobre o Sol

1 comentários:

Luciana Fernandes disse...

Oi querida amiga, bom dia!

Diria no pedestal da minha arrogância "pecaminosa" que quase todos os religiosos se sentem galos dominadores e responsáveis pelo bem estar dos tolos, desinformados e desconhecedores das verdades "absolutas".
Ando ainda mais distante desta "verdade" por conta da leitura que faço no momento (deus não é GRANDE, como a religião envenena tudo). Neste livro instigante, devastador e sarcástico, Chistopher Hitchens, nos apresenta dados históricos das horríveis barbáries comotidas com a humanidade em nome de Deus ou das religiões mais estúpidas criadas por mentes doentes.
Hitchens vai muito além das questões conhecidas que envolvem o Oriente Médio e faz um passeio pela história nos apresentando fatos que comprovam como as religiões são capazes de intoxicar, contaminar, estragar, corromper e devastar a capacidade natural que nós, seres humanos, temos de raciocinar.
Outra discussão apresentada pelo auotr diz respeito as questões relacionadas à sexualidade. NUNCA, havia pensado na interessante coincidência de que Jesus, Krishna, Rômulo, Perseu e Buda, nasceram de uma virgem. Ora, qual a intenção de desviar nossos olhares para o prazer e a perpetuação da espécie propiciados pelo sexo carnal e totalmente humano?
Os dados históricos e os absurdos cometidos em nome de uma fé ou de Deus, estão diante dos olhos do mais míope dos humanos. Porém, por razões que, felizmente desconheço, muitos continuam se deixando escravizar por galos ensandecidos.
Continuo longe da escravidão, cheia de dúvidas e incertezas, sonhos e ideais e, por incrível que possa parecer à muitos, o sol continua nascendo lindo, brilhante, acolhedor e quentinho para mim também todos os dias.
Abraços cheios de saudade.
Ah, ainda não me considero, atéia, crente, religiosa e muito menos agnóstica.
Por motivos engraçados: não tenho conhecimento histórico suficiente para dizer que as escrituras sagradas são verdadeiras invenções humanas ou, de fato, relatos divinos e, por fim, nunca considerarei impossível, conhecer, discutir e compreender a fé, religião ou a metafísica.

 

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