Uma obra

quinta-feira, 7 de julho de 2011

"Deus vai fazer uma obra em sua vida!"   Você já recebeu este tipo de vaticínio nestas andanças pelos corredores dos labirintos religiosos? Não. Eu já, várias vezes.
Até entendo que seja assim. Uma obra de tapeçaria, do Grande Artista que sabe o fim desde o começo.
Não canso de ouvir Stenio Marcius.
Agora cá pra nos, pó e cinza, pedaços de barro, titicas de pó cósmico, tubo digestivo ambulante com córtex cerebral desenvolvido: A coisa mais difícil que existe no mundo (hipérbole básica) é acabar uma obra!
No começo é aquele entusiasmo, aquela alegria. Particularmente um processo alquimico, uma transformação do lixo em ouro começou em mim, por motivos que um dia contarei com palavras, neste ambiente.
O dia, a semana passam rápido e, na hora de dormir, só se deseja uma coisa: que o amanhã seja ainda melhor do que hoje, cheio de novidades e descobertas.
De que eu estava falando, de um casamento ou de uma obra?
Não importa, é quase a mesma coisa - com todo respeito aos que idealizam o santo matrimonio.
Não por coincidência, pois não creio nelas por ser  junguiana crente na sincronicidade e acima de tudo e de todos sou amiga do Noivo, percebo claramente que o casamento de 10 anos reformou-se para ficar melhor.
Enfim, voltando as vacas frias, sai o sofá, sai o guarda-roupa e, no dia que sai a cama, é como uma lavagem cerebral, 10 anos de psicanalise mais 5 anos de analise junguiana não foram capazes deste alvoroço anímico profícuo.
Ah, daqui pra frente, tudo vai ser diferente - com a ajuda do Tapeceiro, é minha prece.
Chega a hora de fazer escolhas mais especificas, detalhes são importantes para compor um ambiente. A parede de que cor? Uma jacuzzi? Posso sonhar?  A sala vai ter que combinar com o atual estado de espírito, é claro. Em tons dramáticos, quem sabe misteriosos ou tipo clean? Cheia de objetos ou totalmente despojada?
Já sabendo que sujeira faz parte do processo, é inevitável, sei que a rotina muda para valer, absolutamente nada fica em ordem, caos é uma palavra que nem de longe define a percepção que tenho da cena.
Os meses passam, um dia acordo cansada, aquele cheiro de poeira  já não é mais tão delicioso, ao contrário as crises alérgicas/respiratórias de toda a ninhada mostram que ninguém sai impune deste turbilhão.
Passar por cima do entulho para chegar lá.......Bem, existem maneiras mais agradáveis de viver, mas terei que ir até o fim, pois obra é uma das poucas coisas no mundo que não se pode abandonar. O dinheiro está no fim, só que preciso continuar.
A paciência também vai acabando, a casa não fica pronta e tenho que tomar 500 decisões por dia, duas dúzias delas ao mesmo tempo e para "ontem".
A vantagem de se ter um consorte especialista em certas aréas pertinentes facilita várias fases do processo contudo, fico penalizada ao vê-lo levando a trena para o banheiro no momento de rei e matutando sobre os tipos de pisos, janelas e portas, entre uma garfada e outra.
Ah, Senhor livrai-nos do estresse!
Muito é decidido rapidamente. Resolve, provavelmente mal, mas resolve, e as coisas estão andando bem, apesar de tudo.
Os cabides que são pretos, cobertos de poeira, daquela bem grossa, cinza ficaram, imagine os vestidos. Os controles remotos não sumiram, falta aquela pulseira venerada, onde estará? Vou procurar no freezer.
Estou adquirindo know how, quem sabe um dia escreverei um livro sobre a experiência de se reconstruir na obra e com a obra.
Por hoje espero ansiosa (na concepção doentia) pelo dia em que o chefão da obra comunique que está tudo pronto e o alivio chegará finalmente.
O "aperreio" é grande mas quando estiver  tudo no lugar, o vinho na geladeira para comemorar, as flores no vaso e a família dizendo que ficou lindo, estarei tão feliz - sentirei que vale a pena, pois são as mudanças que fazem com que a vida seja sempre surpreendente.

Penso no que sou e vejo o Tapeceiro, o Dono da Obra, que  não desiste de mim e a tal estatura de varão perfeito, a transformação definitiva, alegra desde já Aquele que começou a boa obra e a terminará.

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